Eu tinha oito anos quando vi Hatari! de Howard Hawks, a primeira vez no falecido Roxy, no Rio de Janeiro, e muitas vezes mais no falecido Arte de Teresópolis, na serra fluminense. Saí do cinema sem saber o que tinha acontecido comigo. Queria ser John Wayne. Queria estar nas savanas da África, num jipe a toda velocidade, entre zebras e rinocerontes. Queria saber como se podia filmar uma coisa daquelas, “de verdade” e não como os Tom & Jerrys das domingueiras no Cine Pax de Ipanema. Queria saber quem era Howard Hawks, como funcionava uma câmera, como se fazia um filme. Meu coração aventureiro, até então alimentado por Julio Verne, Monteiro Lobato e Jack London, realizava o que parecia impossível: ver o que até então apenas imaginava. Foi, certamente, o primeiro filme que mudou minha vida, um impacto semelhante ao de alguns anos depois, quando eu ouviria os Beatles pela primeira vez.
Eu queria muito ter oito anos agora e ver Avatar. Mesmo considerando – especialmente considerando – que meninas e meninos de 8 anos, hoje, são visualmente muito mais sofisticados do que os da minha geração, esse é o filme que deve se ver no momento em que os fundamentos dos nossos gostos e ambições estão se formando. Visto pelos olhos de alguém entre 8 e 13 anos, este é o filme que pode fazer o que Hatari! fez por mim: deflagrar uma paixão incontrolável pela imagem em movimento.
Com oito anos a rendição à poderosa magia de Avatar seria imediata e irrestrita. Não se questionaria o diálogo tipicamente cameroniano – que , na sua urgência e simplicidade, lembra muito os diálogos de graphic novels – nem se ficaria o tempo todo esperando um defeito na gloriosa tapeçaria digital construída por Cameron e a WETA (em vão: não há.)
Mas não adianta. A mente adulta quer pisar no freio mas não consegue. Avatar tem aquilo que só o melhor cinema proporciona: o poder absoluto de ativar nosso inconsciente, provocar um estado de sonho acordado, um transe rigorosamente sob controle na sala escura. E em 3D, como sonhamos mesmo.
E – o que diferencia um grande filme de um filminho – honra essa capacidade enchendo seus velozes 150 minutos com uma poderosa meditação sobre os eternos ciclos de expansão, conquista, dominação e genocídio que pontuaram a trajetória da humanidade desde que saímos das cavernas. A história, simples, tem a força dos bons mitos: humanos fugindo da Terra que devastaram ocupam o planeta Pandora, coberto de luxuriante vegetação, repleto de infinitos recursos naturais e habitado por uma espécie humanóide de três metros de altura, pele azul, capaz de respirar o ar do planeta (fatal para terráqueos) e reverente a toda vida ao seu redor. Como não repetir as tragédias de Américas, Áfricas, impérios outros?
Levado a habitar o corpo de um dos nativos (num “avatar”) um humano (Sam Worthington) se torna capaz de andar em seus passos e ver com seus olhos. É um transe dentro do transe – o avatar só funciona enquanto seu “condutor” está dormindo, uma das metáforas visuais mais fortes e bem usadas do filme. Levada pelo sonho lúcido, a consciência vem, inevitável. No final, tudo se resumirá a um arco e uma flecha contra uma armadura robotizada, outra metáfora maravilhosa para o choque de duas visões opostas do que seria a “civilização”.
Cameron é um realizador à moda de seus grandes antecessores, os Griffiths e Meliès da história do cinema : sua visão exige o avanço da tecnologia, e ele não espera por ela, mas faz. Que ele tenha proporcionado um verdadeiro salto quântico ao cinema para contar uma história de tamanha integridade moral e precisão temática, neste momento, é simplesmente notável.
Não adianta ser esnobe: é imperdível.
Official Avatar Movie