Para não deixar o blog completamente abandonado, vou publicando aqui os textos que ando postando no Mundo Flamengo e no blog da FlamengoNet. Como alguns deles nem falam explicitamente de futebol, acho que dá para usar esse espaço aqui também.
O melhor dos dois mundos (publicado no Mundo Flamengo em 22 de junho)
Ontem, dia dos Pais aqui nos Estados Unidos, não pude assistir à bela vitória do Mengão sobre o Inter. Desta vez, o motivo de minha ausência à frente de um computador para acompanhar o jogo foi algo diferente das normais obrigações com a família em um começo de tarde de domingo: Um amigo me convidou para assistir a um jogo de beisebol e, depois dos vexames das semanas anteriores, achei que eu merecia uma folguinha do estado de nervos em que o Flamengo tem me colocado.
Bom, primeiramente, eu tenho que explicar que não entendo nada de beisebol. Na verdade, eu já desisti de entender essa prática que, por falta de definição melhor, vamos continuar chamando de esporte. É uma brincadeira de crianças que passou a ser praticado por adultos, ganhou regras esquisitíssimas e pode se arrastar por horas e horas (o jogo de ontem demorou quase 4 horas, debaixo de um sol maravilhoso).
Como esporte, é chato pacas. Nada acontece durante uma eternidade e, de repente, uma jogada aparentemente banal arranca aplausos do estádio inteiro.
Como fenômeno antropológico, é fascinante. A diferença entre o que acontecia aqui em Denver e, ao mesmo tempo, no Maracanã daria para escrever um livro que explicaria os Estados Unidos, o Brasil e a origem e o significado do Universo.
Acho que exagerei um pouquinho, mas sim, daria para explicar muitas das diferenças entre Pindorama e os States.
Mas vou me concentrar no aspecto mais evidente e falar do estádio.
Para começar, é tudo o que o Maracanã não é: limpo, organizado, inteiramente pensado para atender à torcida com o maior conforto. É novo, bonito, ecologicamente correto (os placares eletrônicos funcionam à base de energia solar) e serviu para recuperar uma parte da cidade que estava meio degradada anos atrás.
A casa dos Colorado Rockies tem o patrocínio de uma grande marca de cerveja daqui (cerveja e esporte, como é que ninguém no Brasil nunca pensou nisso?!!?) e se chama Coors Field. Você quer ir ao banheiro durante o jogo? Telões mostram o jogo em qualquer lugar do estádio em que você estiver. Quer comer alguma coisa? Há lojas e mais lojas oferecendo tacos, churrascos, hamburguers, cachorro quente, salgadinhos, amendoim, sorvetes. Quer beber algo? A Coors instalou uma microcervejaria dentro do estádio. Sim, é isso mesmo, eles não só vendem cervejas lá dentro como a fabricam ali mesmo. E, sem frescuras, você ainda pode optar por várias marcas de cervejas importadas em quiosques espalhados por toda parte. Há um restaurante luxuoso com vista panorâmica para o campo de jogo e um salão de eventos exatamente no nível do gramado que você pode alugar para fazer a festa de aniversário de seu filho durante uma partida.
Logo na entrada, após você entregar seu ingresso, há pessoas distribuindo bonés grátis com o logotipo do time local – patrocínio de um shopping especializado em móveis. Há pelo menos 3 stands de concessionárias de carros, convidando você a conhecer lançamentos. Eu pensei que isso fosse um despropósito mas, depois, me dei conta da inteligência da coisa: você está ali, à toa, faltam 40 minutos para começar o jogo, o dia está maravilhoso, há um clima de festa a sua volta, você já tem uma ou duas cervejas na cabeça... Um bom vendedor vai te empurrar um carro fácil, fácil.
Além da grande loja oficial de produtos licenciados do time da casa, você esbarra em vários estandes vendendo bonés, chaveiros, camisas, flâmulas, briquedos para crianças... Sim, há crianças por toda parte. Mães com bebês no colo ou em carrinhos, há acesso fácil para as cadeiras em qualquer parte do estádio, os banheiros limpíssimos têm estrutura para troca de fraldas, além de banheiros exclusivos para crianças. Meninos de 10 anos de idade, das escolas locais, são selecionados (a partir de seu desempenho na escola) para entrar com o time em campo. É um prêmio por mérito, não um favor de um diretor amigo.
E já que eu falei em acesso, você vê também muitos idosos, muita gente em cadeiras de rodas. O acesso é fácil, não tem tumulto, não há brigas ou correrias. E há voluntários (idosos, em sua maior parte) pelo estádio inteiro para orientar e ajudar as pessoas a acharem seus lugares.
Mas é no comportamento da torcida que as diferenças ficam mais evidentes. 40.000 pessoas tiraram a tarde de domingo para um programa divertido, não para torcer para o seu time de infância. Se ganhar ou perder, não vai alterar significativamente o humor de ninguém. E a falta de expontaneidade, de paixão, é o que mais chama a atenção – tanto que toda a “torcida” pelo time é orquestrada pelo sistema de som do estádio, que tocas as musiquinhas que a multidão acompanha com palmas, ou faz barulho quando ordenado.
Todo mundo já ouviu falar do silêncio que se abateu sobre o Maracanã em 1950, quando o Uruguai ganhou a final da Copa, não? Pois nada me assustou mais ontem do que o silêncio respeitoso que todo o estádio fez enquanto um pai e seu filho cantavam o hino americano antes do início do jogo. Silêncio mesmo, de se escutar uma moedinha caindo no chão do outro lado da arquibancada.
Eu fiquei imaginando a maravilha que seria uma estrutura daquelas recebendo uma torcida de verdade como a do Flamengo. Como seria interessante você ir com sua família ao Maracanã naquele clima de paz e tranquilidade. E como o time ganharia dinheiro com a presença de sua torcida ali, daquele jeito.
Definitivamente, como seria bom poder reunir o melhor dos dois mundos.